Sob a bandeira do Profeta Maomé, morto na cidade de Medina em 632, se abrigaram ao longo de quatorze séculos as mais diversas organizações e agrupamentos étnicos e raciais do mundo, fazendo do Islã uma das maiores concentrações religiosas que a humanidade conhece. Os seguidores do Alcorão provavelmente alcançam o assombroso número de um bilhão e quatrocentos milhões de fiéis, o que corresponde mais ou menos um quarto da população da terra, sendo a única das grandes crenças que não para de se expandir.
Geopoliticamente a Dal al-Islam, a Casa do Islã, situa-se na parte central do planeta (da costa atlântica africana até os desertos da Ásia Central), enfrentando os desafios diversos provocados pela sua oposta, a Dar al-Harb, a Casa dos Conflitos, formada pelas regiões que a cercam, motivo que leva a que os ensinamentos do Profeta sejam utilizados para os mais diferentes objetivos.
Tanto os que se inserem na defesa do tradicionalismo antimodernista e da ortodoxia religiosa como os que se colocam a serviço da resistência nacional armada ou da revolução social e política.
O Islã, pois, aparece, nos vários continentes onde se fixou de modo diferenciado: a face do Profeta pode assemelhar-se tanto a um escudo como a ponta de uma lança, pode ser a esperança da emancipação de um povo ou a rudeza da opressão de um governo, mas nunca uma coisa só, enfrentando de modo diferenciado as religiões e culturas que propõe substituir, conviver ou combater.
No seu berço, nos seus começos no Hijaz, na Arábia Ocidental do século VII, a pregação do Corão representou com seu férreo monoteísmo a luta contra o tribalismo beduíno e árabe e seus cultos domésticos e sua superação pela formação de uma Umã, a comunidade solidária e obediente a um só chefe, o califa.
Condição esta que explica o impressionante processo de expansão seguinte à morte de Maomé, quando entre 650 e 750, seus sucessores em um século só, fizeram o Islã estender-se dos Pirineus, na fronteira da Espanha com a França, até a Cordilheira do Himalaia e aos desertos da Cazaquistão na Ásia (uma extensão de 9 mil km por 5 mil km).
Frente à Bizâncio, Índia e África
Bem nos seus começos, frente ao Cristianismo Bizantino a quem por primeiro deu combate, o islamismo representou a libertação das duras exigências que a religião de Cristo então fazia aos seus fiéis (a condenação ao sexo, o desprezo ao corpo, os martírios físicos, a vida eremita, etc.), bem como livrando as populações do Levante e do norte da África da dominação do decadente Império Bizantino (390 - 1453) como também do Império Sassânida da Pérsia (224 e 651), batidos militarmente entre 640 e 650.
Conquanto em relação ao Hinduísmo, religião extremamente hierárquica de múltiplos deuses e mais de três mil castas, após ter ocupado o Sind, o Islã se apresentou como um movimento monoteísta igualitário que submetia todos a um só deus, a Alá, integrando nas orações e na freqüência à mesquita tanto o pária como o ariano, tanto o intocável como o ricaço.
Na África subsaariana, na Nigéria e no Sudão, todavia, seguir as palavras do Profeta se tornou a religião dos nobres, dos sobas e régulos tribais vitoriosos e também dos traficantes de escravos que faziam razias no continente negro atrás de cativos. Isso fazia do converso um ser superior, mais instruído que a massa bruta africana que professava o animismo e seus primitivos cultos tribais. Quando nas poucas vezes que islamitas eram capturados como escravos e levados para a América, deles é que partiam a maioria das insurreições antiescravistas, como foi o caso do Levante dos Malês, na Bahia, em 1835.
Separatismo, revolução e resistência
Nos Estados Unidos, a ascensão deles é mais recente, e deve-se ao desejo das lideranças dos Blacks Muslims (Elijah Muhammad, Malcon X e Louis Farrakan), organização fundada nos começos de 1930, de se apartarem do Cristianismo, especialmente o de versão batista (que entendem ser a fé do senhores-de-escravos do sul do país), e advogarem a formação de uma Nação do Islã, exclusiva dos negros norte-americanos.
Todavia, nas Filipinas, parcialmente convertida ao Islã no século XIV, a fé em Maomé atuou como um bastião da resistência nativa contra o Catolicismo trazido pela conquista espanhola do século XVI e depois, na luta a ocupação norte-americana ocorrida na esteira da guerra hispano-americana de 1898.
Nos dias atuais, por meio da guerrilha do Movimento Abu Sayyaf, representa o sentimento separatista das ilhas do sul do arquipélago filipino, especialmente o da ilha de Mindanau, contra o governo de Manilha. Se nas Filipinas, o Islã se propõe como separatista, no vizinho arquipélago da Indonésia (numericamente o país que mais tem convertidos ao Corão) age ao contrário.
As lideranças muçulmanas cuidam para que a integridade do estado-nacional indonésio não sofra ameaça de secessão, no caso representando pelas minorias cristãs que povoam a ilha de Aceh e do Timor Leste, agindo independentemente das autoridades no sentido de reprimir o faccionismo motivado por mandamento religioso.
No Irã, a revivência islâmica tomou forma de uma Revolução Nacional contra o Xarado conduzida pelos aiatolás xiitas que se revoltaram primeiramente contra a ditadura ocidentalizante do xá Reza Pahlevi, afastando-o do poder em janeiro de 1979, e, em seguida contra os Estados Unidos que o apoiava.
No Afeganistão, durante a intervenção militar soviética (1979-1988), a Bandeira do Profeta foi a principal inspiração dos mujahedins, os combatentes islâmicos, na longa e sangrenta guerra de guerrilhas que mantiveram contra o Partido Comunista afegão (Khalq/Parcham) apoiado pelo Exército Vermelho ao longo de quase dez anos, forçando-o a retirar-se.
Depois da vitória alcançada, terminou sendo a Milícia Talibã, liderada pelo Mullah Omar, quem implantou um Emirado Islâmico no país em 1996, regime ultra-ortodoxo que durou até a invasão norte-americana de outubro de 2001 (hoje são os mesmos talibãs quem sustentam a resistência contra a ocupação norte-americana e seus aliados da OTAN).
Sucesso este que serviu como estimulo para que um movimento islamo-autonomista eclodisse na Chechênica em 1991, enfrentando a Rússia. Insurreição armada desencadeada pelos guerrilheiros islâmicos liderados pelos comandantes Movladi Udugov, Selimkhan Yandarbiev e Shamil Basayev (morto em julho de 2006), tendo como meta a instituição de uma República Islâmica que abarcasse a Chechênia e o vizinho Dagestão, pequenas regiões muçulmanas encravadas no Cáucaso, controlada pelo Partido da Renascença Islâmica (dito Wahabitas). Tal pretensão de estender as fronteiras islâmicas para além da Chechênia conduziu a Rússia a fazer uma brutal intervenção militar a partir de 1994, levando à destruição de boa parte da região.
Na Palestina e no Líbano, tanto na sua versão sunita (Hamas) como na xiita (Hezbollah), o apelo ao Corão assume-se como um instrumento de luta das populações locais contra a presença do estado de Israel (fundado em 1947), mantendo há décadas uma guerra de atrito contra o Tashal.
Bibliografia
Lewis, Bernard - O Oriente Médio: do advento do cristianismo aos dias de hoje. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 1996.
Giordani, Mário Curtis - História do Mundo Árabe Medieval. Petrópolis, Editora Vozes, 1985.
Grieve, Paul - Islam: History, faith and politics: the complete introduction. Nova York, Carroll and Graf Publishers, 2006.
Mantram, Robert - Expansão Muçulmana (séculos VII-XI), São Paulo: Livraria Pioneira Editora, 1977.
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