Total de visualizações de página

segunda-feira, 6 de dezembro de 2010

Rio de Janeiro - No primeiro fim de semana de ocupação, a esperança e o receio

No primeiro fim de semana de ocupação do Complexo do Alemão pelas forças de pacificação, os moradores pouco a pouco voltaram à sua rotina, em meio a tanques blindados, militares, dezenas de jornalistas, curiosos, serviços da prefeitura como limpeza e iluminação e até turistas. Mas o sentimento de esperança de dias melhores se confunde com receio, muito receio.
Na Vila Olímpica Carlos Castilho, no Complexo do Alemão, o sábado foi marcado pelo evento Ação da Cidadania, no qual moradores da favela que nunca tiveram carteira de identificação podiam retirar o documento. Com isso, cidadãos que antes eram invisíveis para o estado e para a sociedade passaram a existir.
Mas a incerteza e o medo acabam prevalecendo. “O morro está bem melhor assim. Moro aqui há 37 anos e desde que nasci convivemos com a violência, polícia trocando tiros com traficantes. O estado deixou isso aqui muito abandonado. Nosso maior medo é que tudo volte ao normal e os bandidos retornem”, afirma um relojoeiro que mora numa localidade conhecida como Caritá, coração do enorme complexo formado por 14 favelas e 400 mil habitantes.
“Ficamos receosos de dar o nosso nome e até mesmo ajudar os policiais. Se os traficantes voltarem, vão saber disso e podem nos expulsar daqui. Por isso ainda não é momento de comemorar. Mas pode ter certeza de que quem ficou aqui são só as pessoas de bem, a favela mesmo. Antes era até difícil parar para beber uma cerveja” diz o morador.
Também no final de semana foi realizada a tradicional feira livre na Rua Joaquim de Queiróz, um dos principais acessos do complexo. Barracas de carne, frutas, verduras, ervas medicinais e até bodes caminhando por vielas disputavam espaço com os militares armados, tanques de guerra e cultos evangélicos. O cenário surrealista era acrescido de um MC e um DJ de funk que se apresentavam no local.
“Aqui sempre morreu muita gente inocente. Não queremos que isso aconteça mais. Minha vontade agora é mostrar que a arte e a cultura podem transformar a garotada, ser um bom exemplo. Eu sempre fiz o funk do bem, com letras positivas”, afirma MC Playboy, para depois cantarolar, “favela não é só crime, aqui também tem trabalhador”.
Entre os feirantes, a sensação era de que aos poucos tudo voltará ao normal. “Nunca tinha trabalhado num cenário como esse. No sábado passado, a feira foi cancelada por causa da invasão e hoje não está tão cheia. Aos poucos, as pessoas vão voltar para cá, aposto que semana que vem estará lotada”, comenta o feirante Rogério dos Santos. “Trabalho no Alemão há um ano e fiquei três na Vila Cruzeiro. Já desmontei minha barraca muitas vezes para fugir dos tiros.”
Preocupação e pessimismo – No entorno do Complexo, os moradores também temem a volta dos bandidos, mas dizem que a situação agora é muito melhor:
“Estou aqui há 30 anos e sempre foi uma região perigosa. A polícia entrou muitas vezes e saiu, espero que dessa vez isso não aconteça”, diz a dona de casa Sônia de Carvalho, moradora da rua Jeoval Costa, em Ramos, que aproveita para lembrar que a favela tem outras necessidades.
“O serviço de saúde podia melhorar. Instalaram uma UPA recentemente, o serviço de clínica geral é bom, mas faltam muitas especialidades, como dermatologista e oftalmologista”.
Tem gente mais pessimista, que acha que a ocupação é apenas uma encenação política e que tudo voltará a ser como era antes em pouco tempo.
“As coisas aqui são feitas de fachada. Não tem obra nenhuma, o PAC é só remendo, não entra nem gari dentro da favela. Pobre é que nem cachimbo, só leva fumo”, reclama o comerciante que se identificou apenas como Jerônimo, há 23 anos trabalhando no Complexo do Alemão.
Balanço – Nessa primeira semana de permanência das forças de pacificação, no entanto, era possível ver muitos serviços da prefeitura sendo realizados: garis recolhendo os últimos resquícios das batalhas dos dias anteriores, operação tapa buracos no asfalto (ou o que se pode chamar de asfalto) e funcionários realizando reparos na iluminação e instalando rede de gás.
Quem também apareceu foram muitos vendedores de uma TV por assinatura, interessadas nos lucros de um mercado consumidor em potencial. “Desde que ocuparam a favela, tivemos a ideia de vir para cá. Agora, os moradores não podem mais contar com o serviço pirata, antes oferecido pelos traficantes. Até o momento, já vendi 400 assinaturas. Nosso preço normal é de R$ 298; aqui, cobramos R$ 49,90”, explica a vendedora Márcia da Silva.
A pobreza de uma favela, no entanto, não se resolve tão facilmente. Por toda a favela, correm muitos valões poluídos e há esgoto correndo pelas ruas, deixando um cheiro desagradável no local.
“O que está acontecendo não é tão bonito como pintam. A polícia comete violência na casa das pessoas, entram de forma arbitrária em nossas residências. Antes de existir uma política de segurança pública, deveria haver uma polícia social”, discursa um integrante de uma ONG sediada no Complexo do Alemão.
A reclamações sobre violência policial é comum entre os moradores. “As pessoas começaram a deixar suas chaves no bar da esquina quando vão trabalhar e afixar um aviso nas portas. Senão, a polícia entra arrombando, revira a casa toda”, denuncia um rapaz.
(Denis Kuck, do Rio de Janeiro)

Nenhum comentário:

Postar um comentário